Cruzando a ponte do Bom Jardim
Em 2019, logo após voltar pro Bom Jardim, eu escrevi um post falando da minha volta pra cá e coloquei algumas artes que fiz da ponte que dá acesso aqui ao bairro onde cresci. O post saiu poucos dias antes de eu ir participar de um evento superinteressante que houve aqui e que era um desafio novo pra mim, o Hachathon Social promovido pelo Somos Um, empresa social liderada pela Ticiana Rolim, que eu tive o prazer de conhecer no evento.
Organizadores, mentores e participantes do evento. Olha eu lá no meio da turma toda! Foto: Somos Um |
O hackathon tinha como foco criar negócios no Bom Jardim que impactassem no desenvolvimento social e econômico da região. Pela metodologia apresentada, cada participante propunha uma ou mais ideias e as que mais se destacassem e angariassem adeptos seriam as propostas a serem desenvolvidos naquele final de semana do evento para serem transformadas em projetos de negócios.
Com base na minha história de vida e diversas experiências atuando no social aqui na região do Grande Bom Jardim e também nos meus interesses e estudos sobre desenvolvimento pessoal, resolvi apresentar algo um tanto fora da caixa. Propus a criação de um negócio social que capacitasse as pessoas para superar o estigma de nascerem e viverem na periferia.
Confesso que na hora até duvidei que algo tão subjetivo fosse passar, mas acabei reunindo os parceiros necessários e formamos a equipe. E começamos a maratona de formular a ideia naquela correria que é característica de um hackaton. Minha equipe fomos eu, minha amiga Alexsandra, a Leka, Adriana, que eu já conhecia dos movimentos, Felippe e Leide Daiana, que conheci no evento.
A equipe que topou embarcar na minha viagem subjetiva. Foto: Somos Um |
No meio do caminho tinha uma ponte
Lembra que lá no começo eu falei que tinha feito um post com algumas das minhas artes da ponte do Bom Jardim? Pois é, acho que de tanto falar em ponte naquele texto fui para o hackathon ainda com a imagem dela na cabeça. E ela acabou se tornando a grande metáfora explicativa da ideia e depois virou o símbolo do projeto.
Desenho da ponte nos anos 1980, que fiz em uma das minhas histórias em quadrinhos |
Não me recordo mais em que momento exatamente, se já na primeira fala ou só depois com a equipe já formada, eu tive o estalo de explicar o conceito da proposta usando como metáfora a ponte do Bom Jardim, mas lembro exatamente de um dos momentos naquele frenético final de semana onde usei essa imagem e ela pegou, vindo a se tornar o nome do projeto (pena que não tenho nenhum registro em foto desse momento).
Estávamos explicando a ideia para os mentores presentes na nossa mesa, quando eu resolvi traduzir a metáfora num desenho. Fui ao flip-chart e desenhei a silhueta de uma cabeça humana e dentro dela a ponte do Bom Jardim, separando o bairro periférico da parte mais desenvolvida da cidade, que fica, do ponto de vista de quem está aqui, depois a ponte.
A "ponte" que separa o habitante do Bom Jardim da área nobre e rica da cidade |
É algo assim: você está aqui no “vixe”, como é chamado o bairro em tom de brincadeira depreciativa, e para sair dele tem que passar pela ponte rumo ao Centro, onde normalmente se trabalha e faz compras ou à região da Aldeota, que é tida como a área dos ricos da cidade. Embora hoje a maioria dos mais ricos nem morem mais na Aldeota, o nome daquele bairro ainda permanece no imaginário da cidade como sinônimo de área nobre e rica.
Acontece que, mesmo que a pessoa saia fisicamente do Bom Jardim, cruzando fisicamente a ponte e vá em direção à região dos ricos, na cabeça dela, ela ainda pertence ao Bom Jardim, ainda é aquela pessoa da periferia que não tem o direito de estar e viver na área nobre e de fazer parte do grupo que nasceu e vive lá. Esse estigma vai perseguir essa pessoa a vida inteira e mesmo que ela trabalhe lá, frequente os lugares de lá ou até mesmo mude pra lá, ainda se sentirá como "apenas" uma pessoa da periferia, uma pessoa lá do "vixe".
Sendo assim, a meu ver, não adianta falar de prosperidade, de crescimento, de busca por igualdade de renda e de oportunidades, se no íntimo a pessoa continuará por toda a vida se sentindo desigual, se sentindo inferior.
A proposta apresentada por mim e desenvolvida pela equipe foi criar um negócio social que interferisse positivamente, ajudando as pessoas a quebrar essa mentalidade, usando atividades gamificadas que pudessem levar pessoas de todas as idades, mas especialmente os jovens, a cruzar suas pontes interiores e superar o estigma de "serem" da periferia.
O nosso projeto até foi destaque nessa matéria sobre o hackathon publicada no site da Prefeitura de Fortaleza sobre o hackathon.
Uma ideia replicável, mesmo onde não tem ponte
Não é só no Bom Jardim, onde há uma ponte real, que essa ponte abstrata existe. Todo mundo que nasce e cresce em bairros e regiões pobres carrega esse estigma interno que acaba funcionando como uma trava, uma crença limitante que inibe sonhos e ambições de melhoria de vida. Por isso a proposta, que se originaria no Bom Jardim, seria replicável em quaisquer das periferias de Fortaleza e do Brasil.
Infelizmente eu me perdi no tempo exigido no pitch e, talvez por isso, a proposta não tenha passado. Eu nunca tinha apresentado um pitch e, mesmo com a experiência que tenho de falar em público e um bom poder de concisão, não consegui expor tudo no tempo tão curto desse modelo de apresentação. Eu queria apresentar só com o flip-chart e deveria ter insistido nisso, porque Powerpoint, na maioria dos casos, só serve pra tomar tempo. (Sim, eu ainda não superei a frustração por não ter apresentado dentro do tempo!)
E agora? A ideia morreu sem cruzar o pitch?
Eu continuo vendo essa ponte abstrata na mente das pessoas e quero levar a ideia de "cruzar a ponte" à frente. Botar num livro, transformar futuramente em um projeto, ainda não tenho certeza sobre que caminho dar a isso. O que sei é que não pretendo desistir, pois acredito que através desse conceito posso contribuir para que um número incontável de pessoas experimente a sensação que eu experimentei quando aprendi que sou, como dizemos aqui no Ceará, tão merecido quanto o povo da Aldeota.
E aí, bora cruzar essa ponte? Foto: Prefeitura de Fortaleza |
Por enquanto vou falar mais sobre o assunto aqui no blog em outros posts futuros. Será uma forma de manter a ideia viva até que evolua para algo maior e aplicável.
Elinaudo Barbosa
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